Desde o seu surgimento, as apostas esportivas de quota fixa (popularmente conhecidas como Bets) têm se consolidado no cenário nacional, gerando intensos debates sobre a necessidade de regulamentação eficaz e o escopo da responsabilidade compartilhada entre governo, plataformas e apostadores para garantir a integridade e segurança deste mercado.
Dentre as vulnerabilidades existentes nesse setor, uma das mais evidentes e impactantes é a prática do delito de lavagem de dinheiro. Essa fragilidade já foi exposta em grandes operações, como a Operação Integration (realizada em 2024) e a Operação Narco Bet1 (conduzida neste ano). Nesta última, por exemplo, foram identificados cerca de R$ 630.000.000,00 (seiscentos e trinta milhões de reais) de origem ilícita sendo branqueados com o auxílio das plataformas de apostas de quota fixa.
A seriedade do problema é corroborada por figuras de destaque no setor financeiro. O Presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, já se manifestou publicamente, reconhecendo as apostas de quota fixa como um canal potencial para a prática da lavagem de dinheiro. Sua posição reforça a urgência de uma ação conjunta, ao destacar que tanto o poder público quanto o setor privado devem unir esforços no combate à atuação do crime organizado neste setor.2
Tendo em vista o reconhecimento da seriedade dessa questão, e a imprescindibilidade da ação conjunta, a atuação das instituições financeiras e de pagamento no combate à lavagem de dinheiro neste mercado tende a ser cada vez mais fomentada e exigida.
Breve Panorama dos Atuais Deveres Legais das Instituições Financeiras e de Pagamento nas Operações Envolvendo Bets
Com a promulgação da Lei nº 13.756, de 2018, as instituições financeiras e de pagamento passaram a ter uma atuação restrita no universo das apostas de quota fixa. Segundo os artigos 34-A e 35, todos já revogados ou com vigência encerrada, cabia a essas entidades apenas a oferta de contas transacionais, o envio de relatórios ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e o cumprimento de princípios legais em processos administrativos.
Com a promulgação da Lei nº 14.790, em 2023, a atuação das instituições financeiras e de pagamento foi oficialmente normatizada e expandida, recebendo novas e específicas atribuições no combate às irregularidades. As principais exigências legais incluem: a vedação a que instituições financeiras ou de pagamento permitam transações destinadas à realização de apostas por agentes operadores que não estejam devidamente autorizados pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda (artigo 21); a obrigatoriedade de manter registros detalhados das operações financeiras voltadas às apostas de quota fixa, por prazo a ser estabelecido pelo Ministério da Fazenda (artigo 24); e a manutenção da exigência de autorização prévia do Banco Central do Brasil para intermediar os pagamentos relativos a este setor (artigo 22).
As portarias do Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), ampliaram as responsabilidades das instituições financeiras no setor de apostas. Um exemplo marcante é a Portaria SPA/MF nº 566, que regulamenta o artigo 21 da Lei nº 14.790/2023. Ela determina que bancos, instituições de pagamento e arranjos de pagamento devem comunicar à SPA, em até 24 horas, qualquer indício de operação ilegal de apostas de quota fixa. A denúncia precisa incluir os motivos da suspeita, além do CNPJ e da razão social da empresa envolvida. A portaria também estabelece que o descumprimento das suas regras pode levar instituições financeiras e arranjos de pagamento a processos de fiscalização e, se confirmadas as irregularidades, a sanções administrativas.
Além das obrigações impostas pelo Poder Público, a Febraban também adotou no combate às ilicitudes no mercado das apostas de quota fixa. Foi determinado que as instituições financeiras bloqueiem as contas de Bets que atuam de forma irregular no Brasil. As medidas a serem adotadas também incluem o bloqueio de movimentações financeiras suspeitas e o encerramento tanto das contas laranjas3 quanto as contas frias.4
Ainda, como é extraído do próprio site da Febraban5, são obrigações dos bancos desde o dia 27 de outubro de 2025:
- Políticas rígidas e critérios próprios para verificação de contas fraudulentas (“laranja” e frias) e contas usadas por Bets irregulares.
- Recusa de transações e imediato encerramento de contas ilícitas, com comunicação ao titular.
- Reporte obrigatório ao Banco Central, permitindo o compartilhamento das informações entre instituições financeiras.
- Monitoramento e supervisão do processo, pela Autorregulação da Febraban, que pode solicitar, a qualquer tempo, evidências de reporte e encerramento de contas ilícitas.
- Participação ativa das áreas de prevenção a fraudes, lavagem de dinheiro, jurídica e ouvidoria dos bancos, que, inclusive, participaram da elaboração das novas regras.
- No caso de descumprimento, haverá punições, desde pronto ajuste de conduta e advertência até exclusão do sistema Autorregulação.
Ainda são consideradas obrigações adicionais dos bancos:
- Manter políticas internas disponíveis para identificação e encerramento de contas suspeitas.
- Apresentar declaração de conformidade à Diretoria de Autorregulação da Febraban, elaborada por área independente, Auditoria Interna, Compliance ou Controles Internos.
- Promover, com o auxílio da Febraban, ações de comunicação, orientação e educação para prevenção de golpes e fraudes.
Diante desse cenário, observa-se que a cobrança das instituições financeiras e de pagamento no monitoramento das operações que envolvem apostas de quota fixa é muito maior atualmente, quando comparada com as previsões legais da Lei 13.756/18. Com as novas disposições, essas entidades deixaram de ser meras coadjuvantes operacionais e passaram a assumir um papel ativo na fiscalização e no combate a práticas ilegais.
Atuais Desafios Enfrentados Pelas Instituições Financeiras e de Pagamento no Combate às Ilicitudes no Setor das Bets
No que pese avanço tecnológico do Sistema Financeiro Nacional, que possui mecanismos de monitoramento avançado, as instituições financeiras e de pagamento ainda enfrentam desafios significativos no combate às ilicitudes na área das Bets. Identificar com clareza tais ilicitudes ainda é uma tarefa particularmente complexa.
Uma comprovação disso está em uma fala proferida por um ocupante de cargo de destaque do Sistema Financeiro no 15º Congresso de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT), da Febraban. Vinicius Santana, diretor responsável por PLD/FTP no Itaú Unibanco, comentou que as instituições ainda desconhecem o que é uma casa de aposta ilegal. 6
Tal pronunciamento reflete que há muito a ser feito no combate às irregularidades no setor de apostas. Se até mesmo instituições financeiras de grande porte enfrentam dificuldades na identificação das irregularidades no setor das Bets, é reforçada a necessidade de avanços regulatórios e políticas internas voltadas à fiscalização de tais operações financeiras.
Conclusão
Diante dessa tendência de responsabilidade crescente, torna-se imprescindível o desenvolvimento e a implementação de políticas internas robustas e controles proativos, especificamente desenhados para mitigar riscos inerentes ao mercado de apostas, por parte das instituições financeiras e de pagamento.
Isso exige investimentos contínuos em tecnologia para análise comportamental e monitoramento transacional que vá além do superficial, bem como a capacitação especializada de equipes para identificar as novas e mutáveis tipologias de fraude e lavagem de dinheiro exclusivas deste setor.
A simples adesão às normas atuais será insuficiente; a expectativa é que as IFs/IPs antecipem os riscos e demonstrem um compromisso efetivo com a integridade do Sistema Financeiro Nacional.
É importante ressaltar que o objetivo não é atribuir responsabilidade exclusiva às instituições financeiras e de pagamento. A proposta, na verdade, é que elas colaborem ativamente no combate às ilicitudes na área das Bets, atuando como parceiros estratégicos do ecossistema. Ao utilizar sua capacidade de monitoramento, elas se tornam uma peça fundamental para garantir um mercado mais seguro e íntegro.
Referências:
(1) Disponível em: PF investiga lavagem de dinheiro ligada ao tráfico internacional de drogas — Polícia Federal. Acesso em: 07 de novembro de 2025.
(2) Disponível em: Febraban vê risco no uso de bets para lavagem de dinheiro do crime | Agência Brasil. Acesso em: 07 de novembro de 2025.
(3) Conta aberta em nome de uma pessoa e utilizada por outras, visando esconder a origem ilícita do dinheiro.
(4) Conta aberta de forma ilícita e sem o conhecimento do titular.
(5) Disponível em: FEBRABAN – Notícias. Acesso em 08 de novembro de 2025.
(6) Disponível em: Bancos destacam desafios com Bets e pedem clareza em definição de casas de apostas ilegais | Jornal de Brasília. Acesso em: 08 de novembro de 2025.




